Revista MS

Cevar onças é um risco real, já que prática humana pode transformar felinos em ameaça

O recente ataque de uma onça ao caseiro Jorge Ávalos, na região do Touro Morto, no Pantanal, levantou dúvidas sobre os riscos reais de convivência com grandes felinos. Segundo o biólogo especialista em manejo de fauna Gustavo Figueirôa, casos como esse são extremamente raros não só no Pantanal, mas em todo o Brasil.

“São pouquíssimos os registros oficiais de ataques de onças a seres humanos. Tão raros que, quando ocorrem, viram notícia nacional. Isso não faz parte do comportamento natural desses animais”, afirma Figueirôa. De acordo com o biólogo, os seres humanos não fazem parte da dieta das onças e, por instinto, esses animais tendem a evitar o contato direto.

Cabe salientar, esses casos são tão raros, que esta é a primeira vez que uma onça é capturada por atacar um ser humano, conforme dito durante coletiva de imprensa com autoridades, na semana passada. 

Mas o que pode motivar um ataque? 

Esta é uma pergunta recorrente e que Gustavo responde, destacando uma série de fatores, como situações em que a onça se sente ameaçada ou encurralada, por exemplo, quando está com filhotes, em período de acasalamento, ou se alimentando de uma presa. “Se a pessoa se aproxima demais, sem perceber a presença do animal, pode ser interpretada como uma ameaça”, explica.

Outro fator de risco são as práticas humanas que alteram o comportamento natural da onça. A “ceva”, nome dado à prática de atrair onças com comida, é um dos principais agravantes. “Na região onde aconteceu o ataque, há relatos da Polícia Militar Ambiental sobre a ceva ativa. Pessoas jogam peixes para atrair as onças, até colocam peixe no barco para filmar o animal de perto. Isso faz com que a onça perca o medo do ser humano”, alerta o especialista.

Além da ceva deliberada, existe a ceva indireta, quando restos de peixe ou lixo são deixados próximos às casas, atraindo onças de forma não intencional. 

No caso de Jorginho, há relatos de que os felinos já rondavam a residência há algum tempo. “A convivência frequente pode fazer com que tanto o humano quanto a onça deixem de se enxergar como ameaça. Isso abre espaço para situações trágicas”, diz Figueirôa.

As onças pintadas e as onças pardas também apresentam diferenças de comportamento. Enquanto nos Estados Unidos há registros de ataques de onça parda, no Brasil não há nenhum caso oficial. “Aqui, a onça parda é ainda mais arredia que a pintada. Em caso de avistamento, ela tende a fugir rapidamente”, esclarece o biólogo.

Apesar do crescimento de ações humanas como desmatamento e queimadas influenciarem o comportamento da fauna, o biólogo não vê relação direta desses fatores com o ataque ocorrido, posto que a localização não estava devastada. “O local [onde o caseiro Jorge Ávalos foi atacado] era bastante preservado. Nesse caso, o problema foi a convivência próxima e a perda do medo, tanto por parte das onças quanto do próprio caseiro”, avalia.

Prevenção

Para prevenir ataques, o especialista recomenda medidas práticas, como instalação de cercas, telas reforçadas, luzes estroboscópicas e cuidados ao circular por áreas com presença de onças. “Evitar sair sozinho e sempre observar os arredores são atitudes simples que podem evitar situações perigosas”, orienta.

Após ataques a humanos, o destino da onça ainda é uma incógnita no Brasil. “Não existe protocolo definido. Esse caso mostra a urgência de discutirmos medidas de prevenção e o que deve ser feito quando um ataque ocorre. Precisamos de diretrizes claras”, conclui Figueirôa.

Todas as pontuações de Gustavo, nos fazem perceber a importância de lembrar que, apesar de todo o fascínio por grandes felinos como as onças – posto que são bichos majestosos e de grande beleza -, antes de mais nada, são animais selvagens que precisam ser respeitados como tais: à distância e sem interação de qualquer maneira, ainda que indireta.